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As Receitas - Rubem Alves




Quando eu era menino, na escola, as professoras nos ensinaram que o Brasil estava destinado a um futuro grandioso porque as suas terras estavam cheias de riquezas: ferro, ouro, diamantes, florestas e coisas semelhantes. Ensinaram errado. O que me disseram equivale a predizer que um homem será grande pintor por ser dono de uma loja de tintas. Mas o que faz um quadro não é a tinta: são as idéias que moram na cabeça do pintor. São as idéias dançantes na cabeça que fazem as tintas dançarem sobre a tela...

Minha filha me fez uma pergunta: “O que é pensar?”. Disse-me que esta era a pergunta que o professor de Filosofia havia proposto à classe. Pelo que lhe dou os parabéns. Primeiro, por ter ido diretamente à questão essencial. Segundo, por ter tido sabedoria de fazer a pergunta, sem dar a resposta. Porque se tivesse dado a resposta, teria com ela cortado as asas do pensamento. O pensamento é como a águia que só pode alçar vôo nos espaços vazios do desconhecido. Pensar é voar sobre o que não se sabe. Não existe nada mais fatal para o pensamento do que o ensino das respostas certas. Para isso existem as escolas: não para ensinar as respostas, mas para ensinar as perguntas. As respostas nos permitem andar sobre a terra firme. Mas somente as perguntas permitem entrar pelo mar do desconhecido.

E, no entanto, não podemos viver sem respostas. As asas, para o impulso inicial do vôo, dependem de pés apoiados na terra firme. Os pássaros, antes de saberem voar, têm que aprender a caminhar sobre a terra firme.

Terra firme: as milhares de perguntas para as quais as gerações passadas já descobriram as respostas. O primeiro momento da educação é a transmissão deste saber. Nas palavras de Roland Barthes: “Há um momento em que se ensina o que se sabe...”. E o mais curioso é que este aprendizado é justamente para nos poupar da necessidade de pensar.”(...) Aperto a tecla moqueca. A receita aparecerá no meu vídeo cerebral: panela de barro, azeite, peixe, tomate, cebola, coentro, cheiro verde, urucum, sal, pimenta, seguidos de uma série de instruções sobre o que fazer. Não é coisa que eu tenha inventado. Foi-me ensinado. Não precisei pensar. Gostei. Foi para a memória. Esta é a regra fundamental desse computador que vive no corpo humano: só vai para a memória aquilo que é objeto do desejo. A tarefa primordial do professor: seduzir o aluno para que ele deseje e, desejando, aprenda. E o saber fica memorizado de cor – etimologicamente, no coração – à espera de que o teclado desejo de novo o chame do seu lugar de esquecimento.

Memória: um saber que o passado sedimentou. Indispensável para se repetir as receitas que os mortos nos legaram. E elas são boas. Tão boas que nos fazem esquecer que é preciso voar. Permitem que andemos pelas trilhas batidas. Mas nada têm a dizer sobre mares desconhecidos. Muitas pessoas, de tanto repetir as receitas, metamorfosearam-se de águias em tartarugas. E não são poucas as tartarugas que possuem diplomas universitários. Aqui se encontra o perigo das escolas: de tanto ensinar o que o passado legou – e ensinar bem – fazem os alunos se esquecer de que o seu destino não é o passado critalizado em saber, mas um futuro que se abre como vazio, um não saber que somente pode ser explorado com as asas do pensamento. Compreende-se, então, que Barthes tenha dito que, seguindo-se ao tempo em que se ensina o que se sabe, deve chegar o tempo quando se ensina o que não se sabe. (Alves, R., 2000: 77)


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